quarta-feira, 5 de junho de 2013

Concerto para 6 orgãos Basílica de Mafra

A 15 de Maio de 2010, após doze anos de trabalho de restauro, os seis órgãos da Basílica de Mafra soaram juntos pela primeira vez desde a sua inauguração original em 1807.
Este concerto incluiu obras a solo para cada um dos seis órgãos, assim como peças de conjunto, quer instrumentais, quer com coro. 

António Leal Moreira (1758-1819) Sinfonia para a Real Basílica de Mafra ( a seis órgãos)
João Vaz (1963) Ave maris stella (para coro masculino e seis órgãos)
João José Baldi (1770-1816) Glória (da Missa para Solistas, coro masculino e seis órgãos)

E obras a solo de 
Carlos Seixas, Marcos Portugal, Diogo Conceição, Louis Nicols Clérambault, etc.
João Vaz: Órgão do Evangelho
Rui Paiva: Órgão da Epístola
António Esteireiro: Órgão de São Pedro d' Alcântara
António Duarte: Órgão do Sacramento
Sérgio Silva: Órgão da Conceição
Isabel Albergaria: Órgão de Santa Bárbara
Fernando Guimarães e Carlos Monteiro: Tenores 
Diogo Oliveira: Barítono
Coro Sinfónico Lisboa Cantat
Jorge Alves: Direcção

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Entrevista a Leonardo Boff (excerto)



Excerto da entrevista concedida à Cristine Gerk e à Marsílea Gombata para ao Caderno de Ideias do Jornal do Brasil de 20/12/2008.

O que falta para a humanidade conseguir orquestrar filosofia, ética e ecologia? Para qual direção estamos caminhando?
R/ Para responder a esta questão devemos ir à raiz do problema. Esta reside no fato de que a humanidade perdeu o sentido de totalidade, o sentimento de que nós seres humanos pertencemos a um todo maior, primeiro  à natureza depois à Terra, por fim ao cosmos. Esta era a visão dominante na história da humanidade e ainda presente nos povos originários, como os indígenas. Estes se sentem filhos e filhas do sol e da lua, parte da natureza, em profunda comunhão com as energias das águas, das montanhas, do fogo e de outros elementos naturais. Nós vivemos num mundo todo compartimentado, fruto da leitura científica moderna, nascida com Descartes, Galileo Galilei, Francis Bacon, Newton entre outros. Estes separaram o que está sempre unido e matematizaram todas as relações com a natureza no afã de melhor dominá-la. Perdemos aquilo que as religiões  sempre nos deram: o sentido da religação de tudo com tudo e com a Fonte de todos os seres. O oposto à religião hoje não é o ateísmo ou a areligião, mas a falta de conexão com a realidade e a perda da capacidade de identificar o fio condutor que une e re-une todos os seres para formarem um cosmos e não um caos.  Eis  o efeito da razão instrumental-analítica que operou em nós uma espécie de lobotomia. Nós não sentimos mais as coisas, não captamos a mensagem que nos vem da luz, da noite, do céu estrelado, do olhar inocente da criança, da mão estendida do faminto, do olhar suplicante do ancião abandonado na rua. Para resgatar o sentido de totalidade precisamos enriquecer a razão calculatória com a razão sensível e com a razão cordial. É este tipo de razão que constitui a dimensão mais profunda de nossa realidade humana e que nos faz sensíveis a valores e nos devolve a percepção do sagrado do mundo e do respeito a cada ser, especialmente ao ser humano. Ela nos faz descobrir que o coração da pedra, da árvore,do animal e do ser humano é um só grande coração sintonizado com o coração de Deus ou do Tão, ou de Shiva ou de Olorum. Para onde vamos? A perseguir o caminho da ditadura da razão analítica que se perde no estabelecimento dos meios sem definir os fins que são a salvaguarda da vida, o convívio pacífico entre os povos e a harmonia com a natureza, a perseguir esse caminho, repito, vamos ao encontro de uma catástrofe sem precedentes. O excesso de razão produz a irracionalidade e a irracionalidade pode provocar o colapso da espécie e do projeto planetário humano.

Como você distinguiria os tipos de ecologia: ambiental, social, mental e integral?
R/ Na verdade a ecologia é uma só. Trata-se menos de uma técnica de gestão de recursos escassos do que de uma ars nova, de um novo paradigma de relação para com a natureza, para com a vida em sociedade e para com a busca de um novo acordo do ser humano com seu futuro possível. Um paradigma recobre todas as relações que o ser humano estabelece;  por isso pode-se fazer distinções dentro de um mesmo horizonte comum. Com referencia ao ambiente, urge  passar de uma concepção reducionista do meio-ambiente para a compreensão do ambiente inteiro do qual o ser humano é parte. Com referência à sociedade, consideram-se as diferentes formas de produção que devastam os recursos naturais ou são mais atentas aos ciclos da natureza e sua capacidade de regeneração. Com referência à mente precisamos estar atentos às visões de mundo, como o antropocentrismo, aos preconceitos e aos hábitos que nos levam  a agredir a natureza ou a tratá-la com benevolência e sinergia. Com referência à visão integral da realidade, precisamos incorporar os conhecimentos das assim chamadas ciências da Terra, a astrofísica, as teias de energias e de informações que  compõem o universo, a Terra e cada um dos seres, também os humanos. Há uma energia de fundo inesgotável e misteriosa que opera no universo e que alimenta todas as emergências e que está sempre ai, que não pode ser manipulada mas que pode ser invocada por nós e que nos permite visões novas e saltos quânticos rumo a formas mas altas de complexidade e de ordens mais significativas. Para mim hoje, a ecologia é tão decisiva que dela depende se tenhamos ainda futuro ou se vamos ao encontro do caminho já percorrido pelos dinossauros
 Que tipos de cuidado o homem está deixando de ter?
R/ Há uma carência generalizada de cuidado no mundo de hoje. Se partimos da concepção filosófica que não cabe aqui detalhar de que o cuidado é parte essencial do ser humano e mesmo da estruturação do universo (a calibragem sutil de todas as energias e elementos primordiais que permitiram que o mundo chegasse ao que hoje é), então estamos sofrendo um estado altamente desumanizado de relações em qualquer campo para onde dirigirmos nosso olhar. Mas mais que tudo não temos cuidado para com a vida em todas as suas formas. Na verdade, não amamos mais  a vida, pois a submetemos a tantos riscos, a manipulamos em função da acumulação e dos negócios nos mercados e ofendemos tão duramente sua dignidade intrínseca que nos tornamos, de verdade,   cruéis e sem piedade. Até temo, que Gaia, a Terra entendida como um super-organismo vivo, se defenda de nós, eliminando-nos como eliminados uma célula cancerígena. Pois é isso que nos tornamos em relação a todas as demais espécies. Estamos em guerra declarada contra Gaia, atacando-a em todas as suas frentes. E não temos condições de ganhar esta guerra. Gaia poderá existir sem nós como existiu durante quase todo o tempo de sua existência que é de 4,5 bilhões de anos.
 Com quais olhos você vê o futuro da humanidade? Com pessimismo ou otimismo?
R/ Sinto-me perplexo face às contradições da realidade, especialmente agora que estamos no coração de uma crise que atingiu os fundamentos do sistema e da cultura do capital. Gastamos 3-4 trilhões de dólares para salvar o sistema financeiro, especialmente, os bancos que durante anos nos enganaram prometendo-nos ganhos que se mostraram agora ilusórios e falsos. E gasta-se apenas alguns milhões, no máximo 2-3 bilhões para enfrentar o aquecimento global e salvar o planeta. Continuamos sob o domínio da irracionalidade e da insanidade que nos levarão a situações de grande sofrimento e de pena para todo o sistema da vida especialmente para os pobres. Concordo com Hegel que escreveu: da história aprendemos que não aprendemos nada da história, mas que aprendemos tudo do sofrimento. Iremos ao encontro de grandes padecimentos. Quando a água chegar ao nosso nariz, saltaremos como loucos para nos salvar. E nos salvaremos, mesmo pagando alto preço pela nossa falta de cuidado. Mas prefiro crer em Santo Agostinho que dizia: aprendemos sim do sofrimento, mas muito mais do amor. Pois esse nos transforma e nos faz inventar mil meios para estar junto da pessoa amada. Então acho que devemos amar o mais que pudermos a Mãe Terra, cada ser, para sofrer menos e criar mais condições de futuro para todos.




quarta-feira, 8 de maio de 2013

Ulysses


O mito é o nada que é tudo
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo
O corpo morto de Deus,
Vivo e desnudo

Este, que aqui aportou
Foi por não ser existindo
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou

Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade
E a fecunda-la decorre.
Em baixo, a vida, metade
De nada, morre.
                                     Fernando Pessoa in Mensagem

terça-feira, 7 de maio de 2013

Mito


Mircea Eliade (mitólogo), apesar de considerar difícil definir o que é "mito", dá uma definição: "o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do "princípio". Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma "criação": ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos "primórdios". Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a "sobrenaturalidade") de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado (ou do "sobrenatural") no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o Mundo e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural."

in Mito e Realidade (Editora Perspectiva, SP, 1972), 

sexta-feira, 3 de maio de 2013

"Cartas a um amigo sobre a vida espiritual": meditações de Enzo Bianchi, prior do Mosteiro de Bose


Começa a caminhar (vol. I)
Excertos

A realização de ti mesmo, daquela precisa imagem e semelhança com Deus que cada um de nós é, não é algo de automático, mas exige um trabalho. Trata-se de um trabalho interior, invisível mas nem por isso menos fatigante que outros trabalhos; e muitas vezes é, pelo contrário, muito mais fatigante e temível porque nos faz correr o risco de colocar diante de nós a realidade que nem queremos ver nem compreender.
Sim, a vida interior exige coragem. É como iniciar uma viagem, não tanto em extensão quanto em profundidade, não fora de ti mas dentro de ti. E a dificuldade que podes encontrar nos inícios, perante a paisagem interior desconhecida, pode-te desencorajar e revelar-te que talvez precisamente esta seja a viagem mais longa e árdua, ainda que nunca te obrigue a percorrer um quilómetro.
Precisas de coragem não só para te interrogares, mas também para te deixares interrogar ou assumires os eventos da vida com perguntas que te são dirigidas: a doença que atingiu a vida de uma pessoa querida, a morte repentina de um amigo, o casamento de um conhecido, um nascimento que alegrou um casal amigo, e também os eventos quotidianos, menos vistosos ou aparatosos, mas formando a trama dos nossos dias...
Trata-se de vida ou de morte, de alegria ou de sofrimento, que são sempre ocasiões para pensar e para refletir sobre o que é verdadeiramente sério e importante na vida, portanto sobre aquilo que se pode fazer para que a vida mereça ser vivida e sobre o que pode dar sentido também à nossa vida.
Coragem: não temas; este trabalho espera por ti. (...)
O desejo de Deus colocado no coração do homem é inextinguível. Santo Agostinho, como poeta que era, soube descrevê-lo como poucos: «Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração anda inquieto até que não repouse em Vós!» (...)
O clima atual faz de tudo para esvaziar esta procura de Deus: o homem de hoje «encontra-se não apenas privado de Deus mas também sem o homem» (Claude Geffré). Ele encontra-se perdido na ausência de certezas, arrebatado por um absurdo caracterizado mais pela multiplicação dos sentidos que pelo não-senso. Em tal contexto, quer encontrar-se com Deus imediatamente, evadindo-se em práticas de cura, reduzindo a oração a uma injunção: Deus deve satisfazer a necessidade do homem. (...)
Mil coisas, talvez até boas em si mesmas, vêm retirar a nossa atenção no Senhor e nos parecem ser mais importantes do que aquele pouco tempo que gostaríamos de dedicar a escutar o Senhor e a falar-Lhe face a face, como um amigo com o Seu amigo.
É a tentação mais quotidiana, talvez a mais perigosa, porque parece salvaguardar um aspeto marginal da vida cristã: no fundo, até te dás conta quando dizes, se não rezo agora posso sempre rezar num outro momento, posso concentrar-me sobre a palavra de Deus quando estiver mais tranquilo, após ter resolvido aquele problema urgente... É uma tentação antiga, que todo o crente antes ou depois conhece. (...)
Dietrich Bonhoeffer, preso numa cadeia de Berlim pela Gestapo, afirmou: «O nosso ser cristãos hoje consistirá somente em duas coisas: em orar e em atuar naquilo que pode ser considerado justo pelos homens.» A vida cristã reduz-se a estes dois aspetos inseparáveis: a oração e a ação justa entre os homens que nos seja possível. (...)
Ouso dizer que o cume da [oração de] intercessão não é constituído tanto por palavras sobre os outros dirigidas a Deus, mas por uma vida que se põe perante Deus, na posição do crucificado, com os braços estendidos. É bom de ver: existe uma estreita reciprocidade entre a oração pelo outro e o amor ativo por ele.

Enzo Bianchi

terça-feira, 30 de abril de 2013

Os poderes da inteligência espiritual - Autotranscendência

O ser humano é transição, caminho, itinerário busca  daquilo que ainda não é. Não se contenta com o que é. Aspira vir a ser o que ainda não é. A autotranscendência é o motor da vida humana, o impulso vital que a leva mais além, que a leva a superar-se, a entrar em novos mundos, para viver mais plenamente, mais intensamente.
(...) a vontade de se superar, de transcender não só as coisas como também o ego, não emana do plano físico nem das impressões do mundo externo mas sim do fundo do próprio ser. Ao se transcender, cada um deseja ser aquilo que ainda não é, aspira a ultrapassar as barreiras do próprio ego  para  assim  se reencontrar com os outros e consigo mesmo num plano mais profundo. O desejo de preencher uma carência  fá-lo dar o máximo de si mesmo.
O movimento de transcender é um movimento de superação, de inovação e criatividade o que explica o desenvolvimento vertiginoso da espécie humana no mundo, a sua vontade de entregar-se a causas que superam os seus próprio limites corporais.

                                                                        Torralba in Inteligência espiritual